Era um desses dias de chuvarada no sertão, lá pras bandas de Caicó. Quando isso acontece é chuva mesmo: um toró!
Mas o dia prometia ser ensolarado... e desde a madrugada meu tio Pé-de-Graxa saíra para caçar preá com o seu tio conhecido por todos como Tio Bandeco. Eram eles e uma trinca de cachorros desses bons de mato, que não refugam diante dos perigos de uma caçada, e bons pra desentocar um tatu ou peba.
Nesse dia, porém, a trinca refugou... também pudera! Cachorro que se presa sabe das coisas... vê o que ninguém vê... pressente quando a coisa não é desse mundo. Meu Tio Pé-de-Graxa também tinha fama de ver o que ninguém vê.
Então, já de manhãzinha caiu aquele toró. Correram todos a se abrigar debaixo de um frondoso oitizeiro. Tio Bandeco entrou primeiro. Afoito, foi logo se encostar no tronco da árvore chamando o Pé-de-Graxa:
- Vem logo, sô... que cê faz aí na chuva que não entra logo?
- Nada tio - respondeu ele. - Num tô com vontade de entrar, a chuvinha inté que tá boa! - falou assim com um jeito meio desconfiado, o rosto pingando de suor apesar da chuvarada, e com os olhos meio esbugalhados.
Enquanto isso, a trinca de cachorros também não entrou debaixo do oitizeiro. Uns rosnavam, o outro latia...
Cês são uma cambada de besta - retrucou Tio Bandeco enquanto tirava do alforje um rolinho de fumo pra mascar..
- É... melhor ser besta mermo nessas hora - pensou alto Tio Pé-de-Graxa, enquanto a cachorrada ficava ainda mais agitada.
- Por que cê tá falando isso? - perguntou intrigado o Tio Bandeco. - Nada não. - respondeu Graxa.
E assim ficaram o tempão que durou aquela chuva: Graxa encismado pegando chuva; a cachorrada latindo e rosnando; e Tio Bandeco gozando da cara deles encostado no tronco do oitizeiro e meio dependurado com a mão agarrada a um galho.
Passada a chuva, Graxa todo ensopado chamou o Tio Bandeco: vamo que já dá pra seguir viage. - É... - disse o Tio Bandeco. - Eu todo sequinho e voce e essa cachorrada tudo encharcado. Que deu nôces?
Cê num viu não, tio? - falou o Graxa. - Viu o quê, Graxa?
Os cão latindo, sô... rosnando danado... - falou Graxa com um som gutural saindo quase forçado da garganta.
- Cê encostado naquele tronco tava se agarrando no punho da rede de um defunto, sô... um defunto feio, quase todo podre, e vc lá agarrado na rede e mascando fumo... cruz credo!
- Cê tá brincando, Graxa! - exclamou assustado o Tio Bandeco.
- E eu sô lá home de brincar com essas coisa do outro mundo, tio? - retrucou Graxa.
Mal Graxa acabou de falar o Tio Bandeco desatou numa carreira que levantou até pó do chão molhado...
7 comentários:
Valeu Moa. Foi muito divertido relembrar esta história. Se fosse nos states dava filme. Nós brasileiros tendemos a não valorizar nossas raízes. Estou lendo e/ou assistindo nossas séries e livros tipo "Grandes Sertões, veredas", "Os Sertões", "Lampião", etc.
Muito bacana. Continue escrevendo.
Extraordinário.Moa.
Que bom que você está eternizando as histórias da nossa família, nessa merecida homenagem ao nosso Pai.
É uma satisfação muito grande relembrá-las, de forma tão magistralmente registradas e ilustradas. Parabéns. Você tem muito estilo literário. É agradável e deliciosa a sua narrativa.
Tod.
Essa do irmão das almas eu não lembrava, a não ser alguns poucos gragmentos. Valeu. Parabéns Moa.
Tod
Essa do irmão das almas eu não lembrava, a não ser alguns poucos fragmentos. Valeu. Parabéns Moa.
Tod
Moacir,
estou aqui visitando "entre escombros e malassombros" e gostei à bessa das histórias, principalmente "O oitizeiro assombrado". Histórias para mim desconhecidas e cheia de palavras e expressões também desconhecidas.
É bom. A gente aprende. Você vai ensinando. Parabéns.
Um abraço grande de,
Linda
Moa, entrei e tambem adorei!!! Valeu mesmo. Papai merece ser eternizado nessas historias. Continue escrevendo...
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